Uma das questões em relação à seleção brasileiraevidente desde a expedição malsucedida à última edição da Copa Américaé o comportamento do meio de campo. Talvez a palavra apropriada seja perfil, porque o tema central está mais associado a características de jogadores do que às funções que desempenham. Nas quatro partidas disputadas nos Estados Unidos, a comissão técnica liderada por Dorival Júnior tentou estabelecer um funcionamento em que Lucas Paquetá operava à frente de Bruno Guimarães e João Gomes, num setor dominado por meio-campistas que trabalham na Primeira Liga inglesa. Não deu certo.
No empate em 1 x 1 com a Colômbia, por exemplo, o Brasil perdeu o embate no centro do campo para Jhon Arias, James Rodríguez e Richard Rios, três jogadores que, à época, atuavam no futebol brasileiro. A lembrança tem menos valor como explicação por uma atuação frustrante e mais pela demonstração de que, nos tempos atuais, a seleção dispõe de futebolistas pelos quais a bola passa, ao invés de mentes que oferecem pausa, leitura, clareza. De modo geral, e provavelmente não por coincidência, são nomes prestigiados num ambiente em que o jogo é baseado em transições quase constantes pela maioria das equipes, uma dinâmica de futebol que não necessariamente deve se instalar no time nacional. É precisamente aí que se origina a questão mencionada no início deste texto.
Ancelotti repatriou Casemiro, com quem compartilha uma aliança pessoal e profissional alimentada por dias gloriosos no Real Madride formou, com Bruno Guimarães, a dupla responsável pela maior carga defensiva no meio de campo. Em tese, a presença de ambos permite que quatro jogadores essencialmente ofensivos sejam escalados juntos, como se deu nesta sexta-feira (10) contra a Coreia do Sulnum desenho que parece ser o preferido do treinador italiano diante de adversários inferiores. O sucesso da proposta depende principalmente de dois fatores: no momento ofensivo, ao menos um desses atacantes precisa se disfarçar de meio-campista; e a bola deve circular com inteligência para superar blocos defensivos.
Por experiências prévias em escalações sem centroavantes puros, Matheus Cunha pode ser esse dublê, embora, na escalação usada em Seul, Rodrygo – de volta à seleção e com brilho – talvez fosse o jogador mais equipado para o papel. O segredo é a constante troca de posição entre os atacantes, gerando confusão e espaços para que sejam habilitados. Mas por quem? O primeiro tempo contra os sul-coreanos não mostrou novidades excitantes, mas certamente foi celebrado por Ancelotti. O magistral passe de Bruno Guimarães para Estêvão foi metade do primeiro gol; a esperta assistência de Casemiro para Rodrygo criou o segundo. Sim, sabe-se que ambos podem se ocupar de tarefas criativas e a Coreia do Sul não oferece oposição suficiente para conclusões indiscutíveis, mas, na marca da metade de seu trabalho até a copaAncelotti vai aprovar sorridente o que for possível.
Confortável em sua melhor atuação com a nova comissão técnica, a seleção usufruiu do que Jurgen Klopp define como “o melhor meia-armador do mundo”: o desarme no campo de ataque. A marcação agressiva gerou mais dois gols e construiu um placar amplamente merecido, mesmo considerando a fragilidade do adversário. No contra-ataque, bom passe de Matheus Cunha para Vinicius assinar o quinto gol de uma vitória que anima pelo conjunto da obra, mas, em especial, pelo envolvimento do meio de campo na fabricação de gols.
